Um dia desses estava em uma loja de material esportivo, e vi uma menina de no máximo seus três anos querendo carregar duas ‘salsichas’ de piscina enormes. É claro que para sua pouca idade, ela tropeçava, mas insistia com bastante determinação a conduzir sua tarefa. Os pais que estavam perto quiseram segurar as salsichas, e a pequena simplesmente com um grito conseguiu o intento de neutralizar imediatamente a ação dos pais, que apenas disseram “está bem, está bem”, num misto de angústia e absoluta rendição diante de um ser que parecia acreditar que sua vontade teria que imperar de forma absoluta. Não estou aqui dizendo que as crianças não possam ter seus desejos respeitados, mas o que chamou a atenção foi o ar de despreparo dos pais para lidar com uma situação tão corriqueira quanto esta, e que em tempos passados teria sido resolvida com limites colocados de uma forma firme e com total ausência de culpa.
Tenho 57 anos de idade e 36 anos como psicóloga, e como as pessoas de minha geração pessoal e profissional, vejo com grandes doses de perplexidade, algumas mudanças de comportamento que vieram para ficar pelo menos até que se prove em contrário, ou que a humanidade encontre solução melhor! Para o bem ou para o mal. E observo com enorme preocupação enquanto profissional de saúde mental, o quanto os pais transformaram seus filhos em seres que devem ser protegidos das intempéries e vicissitudes da vida a qualquer custo, e serem felizes a qualquer preço. Vejo professores, pedagogos e diretores de escola assombrados com a falta de limites destes próprios pais, que ilusoriamente acham que junto com a mensalidade escolar paga, acreditam que podem “comprar” um céu e um mar sem tempestades para seus filhos. Nada mais desastroso se pensarmos que a vida é tudo menos livre de lutas e de grandes desafios que não tardarão a se apresentar.
Quinas, arestas e encruzilhadas da vida existem e existiram sempre, mas parece que para esta nova geração de pais, muito é feito na tentativa de aplainar os caminhos naturalmente pedregosos da terra por onde seus filhos terão que caminhar. E isso a meu ver já está produzindo, potencialmente falando, toda uma geração de adultos futuros que terão cada vez mais dificuldades em enfrentar os embates, frustrações, perdas e dores da vida. Mas qual o caminho para isso, vocês poderão me perguntar. E acredito em muitas possibilidades, mas eu poderia resumir todas elas no fortalecimento e empoderamento desses pais, e na certeza de que a hierarquia familiar existe por razões bastante profundas e fundamentais e que deve ser respeitada, sob o risco de danos bastante complicados, e absolutamente desnecessários, serem provocados em todas as ordens do ser.